Epistemologia: Noções introdutórias
Silvio Seno Chibeni
Departamento de Filosofia - IFCH – Unicamp
A epistemolgia é o estudo ou ciência do conhecimento. Dois dos grandes problemas da epistemologia são o das origens e fundamentação do conhecimento (quais os processos pelos quais o adquirimos, em que ele se fundamenta) e o dos seus limites, ou extensão (quais as coisas que podem, em princípio, ser conhecidas e quais as que não podem). Ao longo da história da filosofia, esses dois problemas epistemológicos quase nunca foram tratados separadamente, já que há conexões entre eles. Porém, para fins de análise a distinção é útil, e podemos classificar as doutrinas epistemológicas em dois grupos principais, conforme se ocupem de um ou de outro desses problemas.
No caso do problema das origens e fundamentação do conhecimento, há essencialmente duas posições antagônicas:
i) Empirismo. Sustenta que o conhecimento se baseia e se adquire através do que se apreende pelos sentidos. Admite-se, além dos sentidos “externos” (visão, audição, tato, olfato e paladar) a participação de um sentido “interno” (introspecção), que nos informa acerca de nossos sentimentos, estados de consciência e memória. Como quase toda doutrina filosófica, o empirismo encontra raízes na Grécia Antiga; ganhou novo ímpeto com a revolução científica do século 17, e seus principais defensores no período moderno foram Locke, Berkeley e Hume.
ii) Racionalismo. Mantém que as fontes do verdadeiro conhecimento encontram-se não na experiência, mas na razão. Como no caso do empirismo, também essa doutrina já era defendida entre os gregos; na era moderna, seus principais expoentes foram Descartes e Leibniz.
Naturalmente, é possível manter-se uma posição empirista acerca de determinado tipo de conhecimento e racionalista acerca de outro. De fato, é freqüente, por exemplo, que empiristas com relação ao conhecimento do mundo físico sejam racionalistas com relação ao conhecimento matemático. E mesmo dentro de uma mesma área, é cabível sustentar-se posições diferentes quanto à origem do conhecimento, dependendo do tipo de proposição envolvida. Esse é o caso da teoria epistemológica de Kant; segundo ela, nosso conhecimento da física é parcialmente a priori (como no caso das leis de Newton) e parcialmente empírico, ou a posteriori (a lei de Boyle, por exemplo).
Não iremos aqui discutir e avaliar, ou mesmo apresentar de forma sistemática, as múltiplas variantes dessas doutrinas epistemológicas sobre a origem do conhecimento. Notemos apenas que, como resultado das profundas transformações sofridas pela física em nosso século (que, entre outras conseqüências, levaram à descrença na verdade universal das leis da dinâmica newtoniana, e à adoção de geometrias não-euclideanas), o racionalismo com relação ao conhecimento do mundo físico aparentemente perdeu muito de sua plausibilidade.
Passemos agora à questão dos limites do conhecimento. Aqui, a oposição principal se dá entre a doutrina epistemológica do realismo e uma série de doutrinas com nomes diversos, ditas genericamente anti-realistas.
Poucos conceitos filosóficos têm recebido caracterizações tão diversas quanto o de realismo. Em um sentido amplo, o termo realismo denota uma determinada posição filosófica acerca de certas classes de objetos, ou de proposições sobre esses objetos. Consideram-se, por exemplo, os objetos matemáticos, os universais, os objetos materiais ordinários, as entidades não-observáveis postuladas pelas teorias científicas, etc.
Em uma formulação puramente metafísica, o realismo sobre os objetos de uma dessas classes se caracteriza pela afirmação de que os objetos em questão “realmente existem”, ou “desfrutam de uma existência independente de qualquer cognição”, ou “estão entre os constituintes últimos do mundo real”. Pode-se pois ser realista com relação a uma classe ou classes de objetos e anti-realista com relação a outras. Outros filósofos preferem (por razões que não examinaremos aqui) formular o realismo em termos epistemológicos, dizendo, por exemplo, que por realismo se deve entender a doutrina segundo a qual as proposições sobre os objetos da classe em disputa possuem um valor de verdade objetivo, independente de nossos meios para conhecê-lo: são verdadeiras ou falsas em virtude de uma realidade que existe independentemente de nós.
As posições anti-realistas por vezes recebem nomes especiais, de acordo com a classe de objetos em questão. Assim, o anti-realismo com relação às entidades matemáticas é conhecido por construtivismo; com relação aos objetos materiais ordinários por fenomenalismo; com relação aos universais por nominalismo. O anti-realismo científico questiona a possibilidade do conhecimento das entidades e processos inobserváveis postulados pelas teorias científicas; recebe várias denominações, dependendo de como a tese do realismo científico é negada: instrumentalismo, redutivismo, empirismo construtivo, relativismo, etc.
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