terça-feira, 29 de setembro de 2015

Biologia e Filosofia - Amor - Autopoiese - Humberto Maturana e Ximena Dávila no Brasil



Humberto Maturana
e Ximena Dávila
no Brasil




http://alana.org.br/humberto-maturana-e-ximena-davila/
(ou)
https://youtu.be/bhkrB8WntNA


Biologia e Filosofia: estreita relação
Os pesquisadores Humberto Maturana e Ximena Dávila trazem para São Paulo (SP), em associação com a Caravanserai Brasil, evento que promove os fundamentos da chamada Biologia-Cultural. A corrente estuda o cotidiano e as interações sociais a partir de uma perspectiva biológico-cultural (ver detalhes sobre workshop abaixo).

Fonte: http://filosofiacienciaevida.uol.com.br/ESFI/Edicoes/0/biologia-e-filosofia-estreita-relacao-253836-1.asp


 

Em sua opinião, em que ponto a Filosofia e a Biologia caminham juntas? 
Filosofia e Biologia caminham juntas conquanto entendermos a filosofia como uma filosofia fundamental e crítica; como a arte de pensar o que pensamos e refletir sobre o que fazemos na vida cotidiana. Ela é fundamental porque quem a experencia é um ser vivo; ou seja, um ente biológico. Não se trata de reflexões vagas, mas de considerações que se manifestam no modo como um ser vivo vive a linguagem e o diálogo. Pode-se dizer que é importante vê-las juntas, porque quando estão interligadas elas constituem o substrato, o âmago de onde pensamos, sentimos, decidimos, conhecemos e compreendemos o mundo, e que nós, da Escola Matríztica, chamamos de "epistemologia unitária". (Epistemologia é a teoria do conhecimento humano; a reflexão geral em torno de sua natureza, etapas e limites, especialmente nas relações que se estabelecem entre o sujeito que indaga e o objeto inerte, as duas polaridades tradicionais do processo cognitivo). Essa epistemologia não é a tradicional, porque ela resulta de uma transformação do questionamento, que substitui a pergunta pelo ser, pelo fazer. Toda filosofia tem um sedimento epistemológico. O sedimento tradicional tem sido a pergunta pelo ser desde os seus primórdios no contexto de uma cultura patriarcal/matriarcal que a teve como berço. Somente através do fazer da biologia é que, em meados do século 20, foi possível perguntar como nos demos conta, pela primeira vez em nossa história humana, de que não temos experiência para explicar objetivamente o mundo no qual vivemos e que conhecemos; e que, inversamente, ele resulta do nosso modo de viver e conviver. Portanto, o caminhar conjunto da filosofia e da biologia nada mais é do que uma consequência coerente de se dar conta dessa mudança fundamental de perguntar. Desse ponto de vista, e buscando as implicações associadas a essa caminhada conjunta, podemos ver que, enquanto cada pessoa reflete sobre a vida ou o viver, a morte ou o morrer, ela está praticando a filosofia. Uma filosofia fundamental que terá consequências éticas para ela mesma, para aqueles que a rodeiam, e para o mundo natural que ela habita. Nesse sentido, a filosofia, por seu caráter "entrelaçado" com o viver de quem pergunta, constitui um espaço para fazer perguntas, não sendo necessariamente um espaço para esperar respostas. Trata-se mais de um influir na experiência de perguntar-se e dar-se conta do mundo que surgirá como resultado da pergunta em nossa própria vida e convivência. Quando uma pessoa se faz essas perguntas, quando questiona o próprio viver a partir de um determinado sentido, ela se torna uma pessoa observadora senciente (que percebe pelos sentidos). Uma coisa é o mundo acadêmico; outra é a questão da pergunta aberta, na qual se conta a experiência e não se espera nenhuma resposta, senão descobrir um mundo de existência no qual me dou conta do que faço nesse mundo. Um mundo que tem a ver conosco e no qual as perguntas que nos fazemos só podem ser feitas quando estamos centrados em nós mesmos. De estarmos no presente, na inocência de viver o que vivemos e de onde o perguntar surge espontaneamente. Um perguntar que pode nos acompanhar sempre, porque ele é, em si mesmo, a experiência de viver e compartilhar a reflexão em qualquer conversa que experimentemos (vivamos). 

Que vertentes filosóficas mais influenciaram a construção da chamada Biologia-Cultural? 
Falar de influências sempre parece negar a autonomia reflexiva e ativa de cada pessoa, assim como a responsabilidade que vivemos nos mundos que nascem do nosso questionamento. No entanto, como somos humanos e pertencemos a uma só família muito grande e antiga, podemos sentir ressonâncias de origem consciente ou inconsciente em nosso questionamento; nos modos de pensar, sentir, ver e entender outras culturas diferentes. No nosso caso, sentimos isso no caminho do Tao. A chamada Filosofia do Tao, em que o Tao que pode ser nomeado não é o Tao que ressoa com o nosso próprio sentir, pensar, ver e entender, no qual a explicação da experiência não pode substituir a experiência em si. Essa filosofia, que questiona o suceder, vem do Oriente, onde o sedimento epistemológico afirma que tudo é ilusório. No nosso caso, ela evoca a biologia, com a qual podemos ver que na experiência não conseguimos distinguir entre ilusão e percepção, convidando as duas formas de pensamento a libertar a realidade, para lhe perguntarmos sobre a experiência em si, a partir de nossa própria experiência. Tanto num como noutro caminho, o encontro com o mundo natural é uma forma séria de se filosofar, porque nesse encontro vive-se uma unidade que não pode ser nomeada - entre o tudo e o nada, entre o ordinário e o extraordinário. E se soubermos entendê-la, veremos que ambas convidam constantemente a uma reflexão que provém da unidade sistêmica da própria experiência de viver e morrer. 

Que novo modelo de homem esses dois conhecimentos juntos podem propor? A biologia cultural contempla elementos capazes de ajudar em sua construção? 
A biologia cultural não contribui para um novo modelo de homem. A biologia cultural, ou seja, a reflexão sobre os fundamentos biológico-culturais do viver e conviver humano, nos fornece uma nova perspectiva da forma como vivemos o que vivemos. De como nos relacionamos com as pessoas, com os seres vivos, e de como fazemos o que fazemos na vida cotidiana. Não para modelar um novo homem, embora possa surgir um modo de vida diferente para a nossa humanidade. Uma humanidade que é a mesma desde as suas origens na biologia do amor, e que, em suas diversas ramificações culturais, semeou as possibilidades para diferentes linhagens. Entre elas, e somente se nos dermos conta de nossa origem na biologia do amor, podemos, se assim o desejarmos, colaborar para que nossos filhos e filhas, assim como seus próprios filhos e filhas possam viver na linhagem do que podemos chamar de um Homo sapiens-amans ethicus (um homo sapiens amante da ética). Uma linhagem que só resulta, e que, como no Tão, não pode ser intencional e, que, portanto, é um resultado e não um modelo. Não é um novo modelo de ser humano; é o ser humano em sua origem amorosa. É o ser humano que vive as consequência éticas de entender essa origem amorosa. Um ser humano, uma pessoa que, mergulhada em suas perguntas e reflexões, percebe que essa origem amorosa está presente nela e em todo ser humano vivo no planeta e que só é preciso deixá-la sair se assim o desejar. E, claro, ao fazê-lo, seremos responsáveis pelo mundo em que vivemos. Não parcialmente responsáveis, mas totalmente responsáveis, porque o mundo em que vivemos resulta do nosso próprio modo de viver - e se esse viver tem a ética como centro, então o mundo em que vivemos é um mundo no qual cabem a diversidade de pontos de vista, de pensamentos e de entendimentos. É um mundo de colaboração que expande naturalmente as nossas habilidades sociais humanas, como a inteligência, a criatividade e a sabedoria. 

Que problemática é fundamental hoje na discussão do [ser] humano? O trabalho e as organizações ocupam destaque na pauta desse debate? Por quê? 
Para quem olhar para a nossa atual cultura, o medo, a desconfiança e o poder são problemas óbvios. Ao refletirmos sobre como fazemos o que fazemos, de que modo vivemos, nos damos conta de que existe um fenômeno mais fundamental que resulta da análise cotidiana do nosso modo de vida em diferentes culturas: a fragmentação do nosso modo de viver. Não vivemos de uma forma unificada. Vivemos divididos, fragmentados nos diferentes mundos que criamos com nossos modos de vida, muitos deles contraditórios e que podem, inclusive, anular-se mutuamente. Nas organizações, por exemplo, encontramos pessoas que, como seres multidimensionais, estão vivendo suas vidas cotidianas experimentando sensações de medo e desconfiança, e que não estão centradas em si mesmas. Elas vivem uma responsabilidade parcial do mundo em que vivem, e tocam de formas diferentes os outros mundos, ou as áreas em que as pessoas realizam seu viver e conviver. Se olharmos de maneira sistêmica-sistêmica, podemos dizer que as diferentes comunidades humanas ou organizações em que vivemos, como a família, a escola, a universidade, a empresa, as organizações sociais ou políticas, a sociedade, são, na atualidade cultural dos seres humanos, parte do mundo natural em vivemos. Na realidade, uma parte central do mundo natural em que vivemos. A forma como vivemos a nossa existência nele não é algo banal. Tudo se concentra em nossa corporalidade e em nossa dinâmica psíquica. O que fizermos em uma delas trará consequências conscientes ou inconscientes para o resto - isso porque somos seres unitários, apesar de vivermos fragmentados. Os seres humanos estão se dando conta dessa fragmentação cultural presente em suas vidas; de suas consequências de "cegueira", que resultam da especialização, da profissionalização ou da segmentação econômica, social ou política. Por um lado, nossas áreas de eficiência e eficácia parecem estar encolhendo; por outro, vivemos em um mundo cada vez mais globalizado e interligado; e cada vez mais afetado pelo nosso modo de vida. É por isso que nos ocupamos com o que entendemos como sustentabilidade; pois ela nada mais é do que o resultado natural de como ocorre a harmonia entre o que nós, seres humanos, fazemos (executamos) em nossa forma de viver (antroposfera), com o que o conjunto de todos os seres vivos gera através de sua vida no mundo que habitamos (biosfera). Essa harmonia ou desarmonia não é banal no que diz respeito ao bem-estar ou mal-estar que orienta o nosso modo de vida. Por exemplo, se vivermos com confiança, respeito e colaboração, viveremos em um mundo bem diferente de um outro dominado por desconfiança, controle, manipulação e obediência. Em última análise, a harmonia fundamental entre a antroposfera e a biosfera é nossa responsabilidade como indivíduos. É a nós, pessoas, seres humanos, que interessa a sustentabilidade ou a responsabilidade social. Somos nós que queremos tomar conta do mundo que estamos criando com o nosso modo de viver e conviver. O primeiro passo é reconhecer isso - e reconhecê-lo no principal setor em que estamos vivendo a mudança cultural que enfrentamos: nas organizações. As organizações são criadas por pessoas. Uma organização, um grupo de pessoas que se unem para fazer algo que queiram fazer juntas, é um modo de se organizar. Os limites operacionais dessa organização serão o conjunto de ações com que as pessoas realizam seu propósito, ou projeto comum, que constitui a essência da organização nesse sentido. Quando pertencem a qualquer organização, as pessoas em geral sempre ficam entre si (mesmo que vivam fragmentadamente). Mas se elas se encontrarem em um ambiente de medo, desconfiança, controle, arrogância e agressividade, elas não poderão viver naturalmente a responsabilidade que resulta do fato de assumirem as consequências que seus atos têm para elas mesmas, para os outros, ou para o que as rodeia. Em contrapartida, quanto maior o clima de transparência dos desejos que constituem os diferentes processos que moldam qualquer organização, as chances de aceitar pontos de vista diferentes, respeitar e colaborar a partir da própria autonomia se tornam possíveis operacionalmente, criando uma dinâmica sistêmica que não só tem consequências sobre o trabalho em si das pessoas na organização; mas também sobre sua vida familiar, a sociedade, ou o mundo em que vivemos. Portanto, nosso propósito fundamental é querer acabar com nossa fragmentação. Essa é uma tarefa que convida e envolve a todos: todas as pessoas e seres vivos. Trata-se de um esforço de colaboração entre os diferentes pontos de vista e entendimentos que as pessoas de diferentes culturas nos proporcionam todos os dias à medida que vemos meninos e meninas, jovens e adultos que querem assumir para si mesmas, para os outros e para o que os rodeia, a responsabilidade pelas consequências de seus atos e ações. Como Matrízticos, gostaríamos de convidar a todas as pessoas que dirigem e operam as mais diversas organizações para esse encontro de colaboração, se elas o desejarem. Nós as convidamos a viver a experiência de que é possível gerar processos sustentáveis de serviços produtivos que trazem consigo simultaneamente confiança, respeito, inteligência, criatividade, alegria e responsabilidade. Isso é possível se nos conscientizarmos do que a nossa própria origem como seres humanos nos revela: nosso bem-estar como pessoas aumenta com a autonomia reflexiva e de ação que torna possível a inspiração mútua e a colaboração. 


Sobre o workshop em São Paulo: 
Expandir a compreensão dos participantes sobre "como as pessoas fazem o que fazem" em seu ambiente de trabalho e suas consequências para a gestão organizacional são os principais objetivos do workshop. Maturana e Ximena abordarão os desafios dos gestores diante da chamada "cultura organizacional" e sobre a natureza emocional dos problemas da convivência humana nas organizações, a potência da reflexão como ferramenta de orientação de processos sistêmicos nas organizações, o conceito de "escuta" e seu impacto na gestão organizacional, o papel das emoções na orientação dos processos internos organizacionais, tendo em vista a sustentabilidade da organização. Sobre os docentes da Matríztica que desenvolverão este workshop: Humberto Maturana Romesín (Santiago, Chile, 1928), co-fundador da Escuela Matríztica de Santiago, estudou Medicina na Universidade do Chile, fez PhD em Biologia na University College of London e Harvard, desenvolveu seu Pós-Doutorado no MIT, criando trabalhos científicos inovadores. É um dos co-fundadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Chile, da qual agora é Professor Emérito. Em 2000, junto com Ximena Dávila, fundou o Instituto Matríztico que, em 2010, tornou-se a Escuela Matríztica de Santiago. Recebeu diversos prêmios nacionais e internacionais pelo reconhecimento de sua vasta obra científica, voltada à compreensão do ser vivo (Autopoiesis), da linguagem e cognição (Biologia da Linguagem e Cognição), do humano (Biologia do Amar) e da matriz da biologia-cultural da existência humana (Biologia Cultural). Ximena P. Dávila Yáñez (Santiago, Chile, 1952), epistemóloga e conselheira organizacional e de família, estudou aconselhamento individual e familiar (com especialização em relacionamentos em espaço de trabalho) no Instituto Profissional Carlos Casanueva (ICC), trabalhou em várias organizações privadas e para o governo chileno. Seu tema de pesquisas e estudos fundamentais tem sido o entendimento da dor humana e do sofrimento aos quais as pessoas solicitam ajuda relacional. Neste percurso, desenvolveu um modo particular de compreender as chamadas "Conversações Libertadoras", das quais tem feito sua arte sob os fundamentos da Biologia da Cognição e da Biologia do Amar. Em 2000, junto com Humberto Maturana, fundou o Instituto Matríztico, que mais tarde tornou-se a Escuela Matríztica de Santiago - um centro de pesquisa e reflexão sobre o ser humano a partir do conceito da biologia-cultural. Ximena também tem atuado como pesquisadora e professora. Cristóbal Gaggero (Santiago, Chile, 1976), engenheiro comercial e coordenador estratégico com foco na visão-ação ética das organizações e seus processos de transformação cultural. Coordenou e monitorou o projeto de transformação cultural da Federação das Indústrias do Paraná, conduzindo a realização do Dynamic Systemic Map institucional. É membro da equipe de pesquisadores da Escuela Matríztica de Santiago, onde desenvolve diversos trabalhos no domínio da sustentabilidade ético-social das organizações. 

Serviço: Workshop Internacional "Transformação Cultural em Organizações Centradas em Pessoas" Data: 22/03, das 8h30 às 18h30, 23/03, das 09h30 às 19h00 Local: Caravanserai Eventos/Galeria Sergio Caribé, Rua João Lourenço, 79, Capital - SP (Estacionamento no nº 104) Inscrições e informações: http://www.workshoptransformacaocultural.tangu.com.br/

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Entrevista: a importância do Amor

O médico e biólogo propõe que o cultivo do amor seja um caminho para a realização humana e a coragem de se questionar, a única alternativa de quem ambiciona a paz.


Em 2000, Maturana e sua parceira, a professora Ximena Dávila, fundaram o Instituto Matriztico, em Santiago, no Chile. Em 2010, esse centro tornou-se a Escuela Matríztica Santiago, espaço que estimula a conversa e a reflexão sobre a natureza humana e as relações entre os homens. Eles estiveram recentemente no Brasil, participando de um workshop promovido pelo Caravanserai Eventos e pelo Instituto Pallas Athena, de São Paulo. Nesta entrevista, a dupla fala sobre amor, dor e reflexão. E nos convida à prática da reflexão como caminho para um mundo melhor.



O que significa colocar o amor como um fundamento biológico do ser humano?

Humberto Maturana: O ser humano não vive só. A história da humanidade mostra que o amor está sempre associado à sobrevivência. Sobrevive na cooperação. Se a mãe não acolhe o bebê, ele perece. É o acolhimento que permite a existência. Numa de suas parábolas, Jesus fala do camponês lançando sementes ao solo. Algumas caem nas pedras e são comidas pelas aves, outras caem num solo árido e resistem por pouco tempo. Mas há aquelas que encontram boa terra e crescem vigorosas. Assim também nós precisamos de um solo acolhedor para nos desenvolver. Nosso solo acolhedor é o amor.
BF: Como a senhora, uma cientista, pode definir o amor?

Ximena Dávila: Esse não é um fenômeno eventual, mas uma condição básica e cotidiana que define as relações entre os humanos. Amar é uma atitude em que se aceita o outro de forma incondicional e não se exige ou se espera nada como recompensa. Amar implica ocupar-se do bem-estar do outro e do meio ambiente. Em vez de oferecer instruções do que e como fazer, amar é respeitar o espaço do outro para que ele exista em plenitude.

HM: O amor é a emoção fundamental que tornou possível a história da humanidade. Ele determina as condutas humanas, que, por sua vez, tecem o convívio social, entendendo aqui emoção não como um sentimento, mas como formas de relacionamento. O amor nos dá a possibilidade de compartilhar a vida e o prazer de viver experiências com outras pessoas. Essa dinâmica relacional está na origem da vida humana e determinou o surgimento da linguagem, responsável pelos laços de comunicação e que inclui ações, emoções e sentimentos.
BF: Na essência, todos nós somos criaturas amorosas?

HM: Todas as nossas condutas, mesmo aquelas que chamamos de racionais, dão-se sob o domínio básico de uma emoção, o amor. Não o amor místico, transcendental ou divino, e também não uma virtude especial de alguns, mas um tipo de relação em que todos se mantêm fiéis a si mesmos. Amar não é um substantivo, é um verbo, uma dinâmica relacional espontânea.

XD: Todos nós nascemos amorosos, mas vivemos em um momento histórico em que predominam relações de dominação, sentimentos agressivos, arrogância e competição, que se contrapõem aos fundamentos amorosos. Isso é o oposto do amar, pois amar é um respeito pela individualidade. Amar nos permite ser vistos, ter presença, ser escutados, enfim, existir como pessoa. É um tipo de comportamento em que não há expectativas e preconceitos – impera a aceitação do outro da forma como ele existe. O que estamos propondo é apenas recuperar em nós o que é constitutivo do nosso ser.
BF: Para vocês, o mundo é, de fato, um espaço acolhedor?

HM: O mundo sempre foi maravilhosamente acolhedor. Se assim não fosse, a história do ser humano não teria acontecido. Um ser só sobrevive em um entorno que o receba. Caso contrário, torna-se negativo e agressivo e não resiste. Apesar de vivermos um momento de negação do amor, só sobrevivemos porque essa emoção persiste nos vínculos que definem a vida em sociedade. É no amor que alcançamos o bem-estar e realizamos nossa condição humana.
BF: Normalmente entendemos o amor como uma relação idealizada, perfeita. Isso é um equívoco?

HM: Perfeição implica expectativa. Isso não é amor para nós. O amor verdadeiro não exige nada, não pede retribuição. Quando surge a exigência, desaparece o amor. Ele não admite críticas, pois elas significam a imposição dos desejos de alguém sobre outra pessoa e isso dissipa o prazer de estar junto.
BF: Se o amor é um fundamento do ser, como surge o desamor?

XD: O útero é um espaço de boa terra de onde “brotamos” convencidos de que o mundo nos receberá e cuidará de nós com ternura e respeito. Se assim for, conseguimos conservar a configuração emocional própria de seres amorosos. Entretanto, o nosso estilo de vida pode nos conduzir a um processo de autodepreciação, uma armadilha criada pelos padrões da cultura contemporânea. Para rebater esse mal-estar consigo mesmo, um drible são as conversas reflexivas – um exercício de autoconhecimento em que revelamos o que vivemos e como vivemos. Refletir não é pensar, mas agir de modo a perceber o sentido da própria existência e realizar nossa natureza amorosa.
BF: Alguém que nasceu no desamor pode se reestruturar?

XD: Sempre existe espaço para transformação. Num clima de desamor, esse processo traz sofrimento. Mas a dor tem sua função: ela faz refletir e nos permite examinar nossas atitudes conosco e com a sociedade e decidir se queremos continuar naquela direção ou não. Somos continuamente mutantes. Podemos gerar mundos distintos todos os dias e isso traz esperança. Nascemos com o potencial de cultivar espaços de bem-estar, capazes de ampliar a amorosidade que vivenciamos no útero materno. E, como seres amorosos, temos a capacidade de ressurgir do sofrimento.

HM: Cada qual tem de assumir o próprio processo de mudança. Não se pode querer transformar o outro. Isso não é um ato de amor verdadeiro – quando tentamos mudar o próximo, estamos visando nossos próprios interesses e valores. A transformação deve ser feita por cada um de nós e para o nosso próprio bem. Se alguém não merece seu amor, não tente interferir na sua conduta. Afaste-se. Você tem liberdade de escolher com quem quer estar.
BF: Qual o sentido do sofrimento?

HM: A dor nos faz perguntar. Apesar de difícil, é uma oportunidade única de transformação, assim como a curiosidade, que não nos permite submissão aos padrões externos. Quando tropeçamos dói o pé. Isso faz pensar sobre o modo de andar, a atenção ao caminhar, os desafios do trajeto. A dor da alma também ensina. Se alguém me repudia, tenho de perguntar o que estou fazendo para que isso aconteça. Investigar é oportunidade para crescer.
BF: E onde nasce a dor?

XD: Como seres criativos, precisamos de um ambiente que nos permita a expressão plena da nossa natureza amorosa. A dor surge de experiências decorrentes do desamor em que a pessoa aceita e, portanto, acredita que merece não ser amada. Para superar esse sentimento, ela tem de se reconectar profundamente com essa natureza. E reconhecer que as expectativas colocadas sobre ela são demandas arbitrárias próprias de uma cultura centrada no resultado e na competição. Enxergar tudo isso muitas vezes depende de um estímulo externo, uma conversa desprovida de expectativas e julgamentos.
BF: Viver é um esforço, aqui entendido como sofrimento?

XD: O único caminho possível é a reflexão. Mas refletir não pode ser encarado como um esforço. Se há esforço significa que estamos procurando soluções. Isso não é reflexão. Refletir é conseguir recuar da cena para enxergar – e entender – a situação por outro prisma e encontrar uma nova direção a seguir.
BF: Nesse sentido, o que significa refletir para a senhora?

XD: A pergunta primordial é: gosto de viver o que estou vivendo? Quando me disponho a essa pergunta, já estou revendo minhas posturas, fora do âmbito da dor e da angústia. A conquista da consciência passa por outras perguntas: será que o meu desejo é uma imposição do outro? Será que eu quero o que imagino que quero? A reflexão guarda o desejo de se transportar para uma realidade melhor. O processo pode ser desconfortável. E é justamente quando o bem-estar desaparece que surge a oportunidade de encarar as emoções que nos povoam.



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Editora UFMG republica obras de Humberto Maturana
11 de agosto de 2014
Fonte: https://www.ufmg.br/online/arquivos/034438.shtml


A Editora UFMG relança duas obras do neurobiólogo Humberto Maturana: A ontologia da realidade eCognição, ciência e vida cotidiana. Os títulos foram publicados pela primeira vez pelo selo em 1997 e 2001, respectivamente.

Composto por artigos publicados em revistas científicas de diversos países, A ontologia da realidadetrata principalmente de textos clássicos que são ícones de mudança de paradigma da qual Humberto Maturana participou. Os artigos possibilitam ao leitor conhecer o trajeto das reflexões que alicerçam a biologia cultural à qual o autor hoje se dedica. O livro tem 414 páginas e preço de capa de R$ 58.

Em Cognição, ciência e vida cotidiana, Maturana constrói um mecanismo gerativo que parte de uma definição de seres vivos, considerando sua história evolutiva, a origem do humano, a linguagem e as emoções e exibindo o modo como esses fenômenos se entrelaçam. Assim, entendemos como os processos cognitivos surgem em nossa operação como sistemas biológicos. Com 221 páginas, o volume tem preço sugerido de R$ 46.

Humberto Maturana teve brilhante carreira acadêmica depois de se formar em Medicina na Universidade do Chile e em Biologia na University College de Londres. Aprofundou estudos em Biologia na Universidade de Harvard e fez pós-doutorado no Massachussets Institue of Technology. Foi um dos fundadores da Faculdade de Ciências da Universidade do Chile, da qual é professor emérito.



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Tudo começa com um sentimento


30/03/2015

Fábio Betti

Fonte: http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/gestao-fora-da-caixa/2015/03/30/tudo-comeca-com-um-sentimento/


Tomo a liberdade de dar um “copy e paste” no título e em parte do texto que um cliente escreveu e postou em sua intranet na tentativa de explicar a profunda transformação em que um grupo de líderes havia embarcado a convite da direção da organização. “Tudo começa por um sentimento”, dizia ele. “E, por isso mesmo, tudo começa com pessoas. Sim, porque é da essência do ser humano sentir. E sentir só é possível quando reconhecemos e interagimos com o outro.” A mensagem é óbvia – espero que, de fato, o seja. No entanto, entendê-la é outra coisa. Aceitá-la, então, ainda parece algo bastante distante num mundo onde as pessoas são cobradas para serem mais objetivas e as verdades são defendidas como únicas. Proponho-me então a prestar esse serviço de utilidade pública esclarecendo o papel das emoções nos processos de gestão.

Para começar, não somos seres racionais. Mesmo que para fazer essa afirmação, eu tenha feito uso da razão, são as emoções as responsáveis diretas por tudo o que pensamos e fazemos. Para fundamentar esta afirmação, hoje resolvi abusar do “copy e paste” e incluo aqui um texto do livro “Emoções e Linguagem na Educação e na Política”, de autoria do biólogo chileno Humberto Maturana. “As premissas fundamentais de todo sistema racional são não- racionais, são noções, relações, distinções, elementos, verdades, que aceitamos a priori porque nos agradam. Em outras palavras, todo sistema racional se constitui como um construto coerente a partir da aplicação recorrente e recursiva de premissas fundamentais no domínio operacional que estas premissas especificam, e de acordo com as regularidades operacionais que elas implicam. Quer dizer, todo sistema racional tem um fundamento emocional. Pertencemos, no entanto, a uma cultura que dá ao racional uma validade transcendente, e ao que provém de nossas emoções, um caráter arbitrário. Por isso é difícil para nós aceitarmos o fundamento emocional do racional, e pensamos que isso nos expõe ao caos da irracionalidade, onde tudo parece ser possível. Acontece, entretanto, que o viver não ocorre no caos, e que há caos somente quando perdemos nossa referência emocional e não sabemos o que queremos fazer, porque nos encontramos recorrentemente em emoções contraditórias.”

Como costuma dizer Maturana em suas aulas na Universidad Mayor do Chile ou nos concorridos cursos livres de Biologia-Cultural que ele ministra em vários países, “no momento em que você observa esse mecanismo ocorrendo em seu viver cotidiano, você perde a inocência.” E eu complemento: perde a inocência para usar verdades absolutas e afirmar que, se o outro não entendeu algo que você disse, o problema é ele que é ignorante, resistente ou não sabe escutar. “Seja objetivo!” Quando queremos que o outro concorde com o que pensamos, somos mesmo hábeis na arte de usar a razão e sua expressão mais concreta, a linguagem, a nosso serviço. No entanto, na medida em que somos seres relacionais, seria mais sensato – racional! – entendermos que, quando ignoramos esse fundamento científico, que toda razão é baseada numa emoção, criamos muitas vezes situações desqualificadoras e, portanto, improdutivas – quem dá o melhor que pode quando está triste ou com medo?

O Google não é a empresa dos sonhos dos jovens brasileiros por pagar os melhores salários. Os talentos são atraídos e se mantém leais a uma empresa quando se sentem bem e confiam em seus líderes.

A Apple não é uma empresa inovadora simplesmente porque tem os melhores cérebros. A inovação surge quando pessoas se encontram num espaço de escuta genuína, de confiança e respeito-mútuo. Elas se sentem empoderadas para pensar livremente e expor suas ideias sem receio de serem julgadas.

Dinheiro e poder engajam muito menos do que um propósito que vá além do lucro. Isso porque as emoções vêm primeiro. E uma determinada emoção em particular parece ter vindo antes de todas as outras quando o tema é o ser humano. Maturana acredita que o principal ponto de diferenciação de nós, humanos, para outras espécies de primatas, seria a linguagem – linguagem entendida como uma ação coordenada de aprendizagem recursiva. E para ter surgido essa competência sofisticadíssima que não se observa em nenhum outro ser vivo na Terra, foi necessário que um determinado grupo de primatas estabelecesse uma forma de convívio baseado na colaboração, na confiança e no respeito-mutuo. Isso porque leva-se tempo para que a linguagem possa ser desenvolvida, um processo que só ocorre em todo o seu potencial se baseado numa dinâmica relacional onde as pessoas que dela fazem parte surgem como legítimas outras. Isso equivale a dizer que, se nossos ancestrais não aprendessem a escutar uns aos outros, aceitando e incorporando em seu viver cotidiano as diferentes perspectivas de mundos trazidas recorrentemente pelo outro e co-criadas a partir dessa interação, provavelmente ainda estaríamos pulando de galho em galho atrás de bananas. Essa emoção de aceitar o outro como um legítimo outro, Maturana chama de amar. Note que, embora a palavra seja a mesma, o amar a que o biólogo se refere é bem distinto do amar romântico, essa outra dinâmica que, não raras vezes, se baseia na expectativa e na exigência, ou seja, em outro tipo de emoção.

Um líder que ignora essa característica de nossa história que nos acompanha como uma condição biológica e que pode ser observada, geração após geração, no processo de desenvolvimento de cada criança, pode incorrer no erro de comprometer suas metas e o sucesso da organização ao não dar o devido valor às emoções que sua dinâmica de liderar está gerando e que, em primeira e última instância, são os reais motivadores ou desmotivadores das ações de sua equipe. Longe, porém, de propor que as organizações se tornem consultórios terapêuticos, diminuir ou, se possível, evitar julgamentos sumários e apegos a verdades universais já seria um tremendo adianto.


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Humberto Maturana: Como vivimos compitiendo, siempre estamos negando a los demás

August 25, 2014

– Tradução para português –
Conexão Sistêmica por Fernanda Elmor
Fonte: http://www.conexaosistemica.com.br/index.php/humberto-maturana-como-vivimos-compitiendo-siempre-estamos-negando-a-los-demas/

Apresentadora – (… GPS). Queremos utilizar nosso radar de todos os dias para situar-nos de alguma maneira boa neste início de 2013. Para isso temos conosco a pessoa certa. Está conosco no estúdio o biólogo e pensador Humberto Maturana, autor de vários e reconhecidos livros como “A Árvore do Conhecimento”. Humberto é atualmente diretor de Matriztica, uma organização que funciona como laboratório humano dedicado a facilitar a conversa e a compreensão do vivo e do humano, com o desejo de ampliar a reflexão e a ação das pessoas nos diferentes espaços.

Estamos usando também, em nossas redes sociais uma hashtag muito interessante, para a qual estamos convidando vocês. E é por isso que o convidamos, para conversar a respeito e é isso exatamente o que queremos fazer hoje. Conversar.

Bem vindo, Humberto.

HM – Muito obrigado, me sinto muito honrado com esse convite.

Apresentadora – Nós estamos muito honrados. Talvez uma boa e primeira pergunta para abrir esta conversa é se os seres humanos conhecem a si mesmos. Sabemos quem somos?

HM – De certa maneira, dos seres vivos os seres humanos são dos que mais se conhece, porque o que se conhece de um organismo se produz através de observar esse organismo. E nossa história de observação e reflexão sobre nós mesmo é bastante longa. Mas ao mesmo tempo nós seres humanos também inventamos explicações, teorias sobre o que vemos. Então o conhecimento é sempre uma mistura de observações, e distinções de condutas, e processos, e interpretações, e reflexões explicativas de como isso acontece.

Apresentadora – Acreditamos ser muito racionais, no entanto somos seres mais emocionais?

HM – Todos os seres vivos somos seres emocionais, todos. Nossa origem também é de sermos seres vivos emocionais até que surge a linguagem. A linguagem surge, segundo o que pensamos, há uns três milhões de anos atrás, com a família ancestral, que gera espaço de proximidade, e permanência, e estar junto, que faz possível a linguagem.

(E quando a linguagem aparece, o racional…)

O racional tem a ver com as coerências do discurso e dos afazeres aos quais se pode fazer referência. Mas essas coerências não são novas, pertencem ao próprio viver. Então, o que acontece é que a linguagem, podemos abstraí-la e falar dela, e nesse sentido nós seres humanos somos racionais, talvez sejamos os únicos que o somos nesse sentido. Mas o fundamento de tudo o que fazemos é sempre emocional. Todo o sistema racional se inicia com premissas aceitas ao nível da emoção e não da razão.

Apresentadora – Todas?

HM – Todos os sistemas racionais se iniciam em premissas aceitas desde os desejos, dos gostos e das preferências. Desde a emoção.

Apresentadora – E reconhecemos isso em nós mesmos?

HM – Não, geralmente não. Porque nos acusamos de sermos não racionais ou de sermos muito emocionais, mas no final o que guia nosso viver são as emoções, os gostos, os desejos, as preferências, os medos, é o que guia. Para onde nós orientamos o viver depende do que nos interessa, do que gostamos, do que tememos, do que rejeitamos e sobre isso fazemos sistemas racionais explicativos tratando de lhe dar uma forma, uma argumentação lógica. É o que fazemos.

Existem, note que interessante, dois tipos de perguntas que fazemos, perguntamos qual a razão e também perguntamos qual é o motivo. E estas perguntas são coisas radicalmente distintas. A pergunta dos motivos pergunta pelas emoções que é o mais fundamental no curso do fluir, do viver, e a pergunta pelas razões pergunta pelos sistemas explicativos, pela argumentação lógica de alguém que queira validar o que disse.

Apresentadora – Separamos ambas as coisas?

HM – Mas desvalorizamos as emoções.

Apresentadora – As desvalorizamos e sinto também, Humberto, que as condenamos socialmente?

HM – É possível.

Apresentadora – Queremos levá-las quase a um campo de esoterismo, estamos saturados de convicções, vivemos num mundo da certeza. Há pouca margem de ação para a emoção.

HM – Não, ou seja, a emoção está aí, está atuando todo o tempo, não é que haja pouca. Digamos, há um ocultamento do fato de que o que nos move no final são as emoções, desejos preferências, gostos, medos, rejeições que temos.

A argumentação racional usamos por assim dizer, para justificar certas emoções ou para invalidar certas emoções, então é um jogo sempre nessas duas dimensões. Quando queremos dizer ao outro que tem que fazer o que nós queremos que faça dizemos que seja racional. Cada vez que te digam que tem que ser racional estão dizendo “tem que fazer o que eu digo”.

Apresentadora – Estabelecemos um certo domínio sobre o outro dessa forma, não?

HM – Ou seja, queremos dizer, há um argumento lógico universal que é o que te obrigaria a fazer o que eu te digo que faça que é a razão. No entanto o que estou dizendo é “faça o que eu quero”.” Faça o que eu quero que faça”. A emoção.

Apresentadora – Estamos conversando com Humberto Maturana. O Sr. mencionou que tudo nasce, ou grande parte dos conflitos que temos hoje em dia nascem da desconfiança. Que a medida que fomos perdendo a confiança entre os seres humanos surgiu o controle, também a negação do outro e fomos construindo estas teorias da dominação. A pergunta que surge é como recuperar essa confiança? Como entro num diálogo sincero com você confiando que está dizendo a verdade? Que é quem se apresenta? Como é? Que é isso que eu sinto que se perdeu.

HM – Se você quer recuperar a confiança falando da confiança não vai ter resultado. Porque a confiança ocorre na aceitação da legitimidade do outro. Por exemplo, no momento em que você me convida e eu aceito o convite, se estabelece um espaço de confiança, porque quer dizer que estamos dispostos a estar juntos. Que no momento em que começamos a estar juntos nessa condição inicial de respeito a confiança se expande. Vamos gerando um espaço no qual nos escutamos, no qual vamos fazendo as coisas que vão tendo um resultado coerente segundo as coisas que vamos dizendo.

Assim a confiança se inicia no confiar. E o que se requer para confiar? Respeito. No momento em que eu respeito ao outro o outro vai me respeitar e aparece a confiança.

Quero te contar uma história curtinha, que conto porque me pareceu muito interessante. Faz poucos dias, eu ia por uma rua e um caminhão pequeno por motivo do que quer que seja acelera para passar à minha frente e ao passar à minha frente bate em mim e estraga a parte inferior esquerda do meu automóvel. O automóvel segue funcionando e essa pessoa se afasta e como meia quadra mais à frente pára. E eu segui. E como parou eu paro também. E sai do caminhão e me diz “Que posso te dizer?” e eu lhe digo “Desculpar-se”. “Me desculpo” e me dá a mão e começa uma conversa radicalmente diferente. Porque note que senti, que ato mais perfeitamente honrável de respeito mútuo. Um acidente, uma batida, digamos…

Apresentadora – Uma circunstância.

HM – Um automóvel acabou amassado e talvez o dele também e o que ele disse foi “Que posso te dizer?”e aí está a emoção, de onde está falando “Que posso te dizer?” e eu lhe digo “Desculpar-se”, “Me desculpo” e se desculpa, e então a conversa não segue em uma disputa, não segue o caminho de uma disputa, segue o caminho de uma conversação entre pessoas que se respeitam.

Apresentadora – Isso tem a ver também com darmos muito pouco tempo a conversação? Com termos pouco tempo para conversar, ou porque não geramos este espaço. Porque finalmente, na melhor das hipóteses não queremos desnudar nossa alma.

HM – Quando dizemos que não temos tempo, em geral estamos dizendo que não queremos.

Apresentadora – Se conversa hoje em dia?

HM – Sim, mas essencialmente pouco porque se tem muitas opiniões. Tudo bem, temos opiniões, mas tratamos como julgamentos. Quando alguém diz “Eu julgo”, no fundo o que está dizendo é “Eu não me responsabilizo pelo que estou dizendo”porque o que eu digo se valida em outra parte.

Se tenho minha opinião, posso dizer “Tenho minha opinião” e você é responsável por suas opiniões. Então não conversamos porque queremos ter razão, queremos ter a verdade, queremos que o outro faça certas coisas que nós queremos que façam, então não nos respeitamos. Não nos escutamos e como não nos escutamos, não conversamos.

Apresentadora – Porque estamos tão centrados, Humberto, na lógica da imposição de nossas idéias?

HM – Porque vivemos numa cultura da competição. De ganhar, do progresso, do êxito, do competir. Note que a competição efetivamente implica a negação do que se faz porque você faz as coisas em função do que o outro faz.

Apresentadora – Para ganhar deste outro.

HM – Claro, então o resultado é que o que ia fazer não é o que eu quero, mas o que o outro faz.

Por isso eu digo que quando há uma partida de futebol, o que perde é o mais importante. Porque se alguém não perde, o outro não ganha.

Mas como estamos focados nesta idéia de que “o competir” e que “o ganhar” e que “isso é bom”,” o progresso” e “tenho que ser melhor que o outro”, “tenho que conseguir”, então sempre estamos nessas situações nas quais estamos negando os demais para que possamos conseguir algo, porque pensamos ou atuamos como se o conseguir algo em termos da qualidade do nosso fazer, dependesse do outro. Não é certo. Não depende do outro, depende da qualidade do que eu faço.

Apresentadora – Podemos viver finalmente de maneira diferente ou estamos quase condenados, ainda que sejamos um país que está tratando de se transformar em uma nação desenvolvida, a viver desta forma?

HM – Não, não estamos condenados, felizmente nós seres humanos não estamos condenados porque sempre podemos refletir, e onde leva a reflexão? Note que a reflexão consiste no fato em que você se detém um instante a observar o que está fazendo e se pergunta “Eu gosto do que estou fazendo ou não?”. Mas eu tenho que olhar pra isso e para olhar pra isso tenho que parar. Tenho que aceitar que possivelmente não sei, não vejo. Então, nesse ato de reflexão se abre a possibilidade de mudar de direção. Se abre a possibilidade de perceber que na realidade não quero o que estou fazendo. Ah sim, que este viver na competição, na luta, esse esforço contínuo do êxito, não faz com que façamos melhor as coisas. Não nos abre espaço de reflexão que nos permita escolher um caminho ou outro segundo o que queremos viver. Segundo o que queremos conservar na convivência.

Apresentadora – Mas geramos esta cultura?

HM – Sem dúvida e a conservamos. A conservamos desde muito pequenos. Falamos que as crianças têm que conseguir coisas, têm que ser melhor que o outro “Você tem que ser melhor”.

Apresentadora – Têm que fazer provas exames pra entrar no jardim da infância, no colégio.

HM – Por exemplo. Mas têm que fazer provas em um âmbito competitivo. Não dizem a criança “Temos que ver as coisas que você faz para saber onde você estaria bem com o que sabe para aprender mais”. Que é diferente. Se eu fosse reitor de uma universidade e vem um jovem e me diz “Eu quero entrar na universidade para estudar tal coisa” Eu lhe pergunto “Me conta um pouco o que já fez?” e conversamos sobre o que ele fez e eu digo “Olha, se você quer aprender isso antes teria que fazer esta outra coisa” e o guio no caminho. Mas não o coloco em um espaço de exigência. O apanho. O acolho. Isso é o que não fazemos. Então estamos na exigência, no competir. E note que você não faz as coisas melhor quando compete, ao contrário, está mais cego. Não vê sua circunstância porque a única coisa que vê é o outro. Não é a única coisa que vê, mas…

Apresentadora – Mas parte importante da atenção está captada aí e não nas possibilidades próprias.

HM – Claro, não na habilidade, e não nas circunstâncias na qual você se encontra, onde as suas habilidades terão presença.

Apresentadora – O Sr. mencionou que precisamos escutar as crianças para validá-los aceitando por exemplo a legitimidade de um filho frente a um pai, um filho frente a uma mãe. A um pai ou a uma mãe, se estabelece aí uma diferença, ou de um aluno frente a um professor. Essa é talvez uma das carências mais importantes que tem nossa educação, que tem sido um dos temas que temos mais presentes na agenda pública durante os últimos 2 anos.

HM – Eu penso que sim, porque todos, frente a situações novas, temos dificuldades no sentido de que não sabemos. Então uma criança que está aprendendo algo novo, e o novo não é igual para todos. A criança que veio do ambiente A e a criança que veio do ambiente B e a criança que veio do ambiente C, algo que é novo para um pode ser parte da história do outro, ou para um pode ser uma coisa muito impossível, para outro mais acessível, assim que a tarefa do professor é poder escutar essas 3 possibilidades, para poder conectar-se com cada uma das crianças segundo suas possibilidades, segundo “O que é que podes ver nesse instante?”. Porque todos somos inteligentes.

Todos os seres humanos, enquanto seres humanos que existimos na linguagem, somos igualmente inteligentes. Porque a inteligência tem a ver com a praticidade comportamental em um mundo mutante. E para viver na linguagem se requer uma praticidade comportamental tão gigantesca que a menos que tenhamos tido traumatismos, desnutrição, doenças genéticas de algum tipo somos essencialmente igualmente inteligentes. De forma que se esta criança não entende quer dizer que tenho que falar com ela de outra maneira, porque no momento em que se encontra com o que eu estou dizendo, vai entender e vai se desenvolver.

Mas se eu deixo que se atrase, porque não me importa que não me entenda, simplesmente sigo em frente porque digo que tenho que seguir com o que está mais avançado, o condeno. O condeno a um atraso permanente porque sem passar pelo ponto A não posso chegar a B. E isso é uma das coisas que fazemos. Por quê? Porque temos que cumprir com o currículo, porque temos que satisfazer tal exigência, etc. E nossa tarefa fundamental como professores é gerar um espaço em que todos os jovens, crianças, meninos, meninas se transformem em uma ampliação do entendimento e minha tarefa é criar para todos as condições para que possam se encontrar com suas capacidades e estabelecer seu entendimento.

Apresentadora – E como poder ser aí uma ajuda aos pais? O pai, a mãe, a figura materna, que eu creio que é muito importante. E eu também gostaria de uma menção ao que ocorreu com a inserção da mulher no mundo do trabalho. O que evidentemente gerou um vazio para algumas crianças.

HM – Bom, sem dúvida. (Se o trabalho… digamos), as crianças necessitam da família completa. Se há mãe e pai, mãe e pai são fundamentais. Se há somente mãe, mãe é fundamental. E o que significa mãe e pai? Significa adultos que se respeitam, que se gostam e gostam desta criança e portanto lhe abrem espaço para que ela surja. Em que sentido? Se transforme na convivência, aprenda ao viver. Por exemplo quando uma criança, um menino, uma menina diz “Mãe, como se faz esse doce tão gostoso que você faz?” Que está dizendo? Está dizendo: um, que aprecia o trabalho da mãe; dois, que ele ou ela quer fazê-lo bem também; e três, que está disposto a aprender. Então, é maravilhoso. Mas se eu mãe ou eu pai digo, “Ai, meu filho, não tenho tempo”.

Apresentadora – (“Outro dia te conto”) Você mata todas essas possibilidades, claro.

Estamos conversando com o biólogo e pensador Humberto Maturana. Comentaram no Twitter e nos perguntaram aqui na nossa rede social “Qual é o caminho alternativo a competição?”

HM – A colaboração. Você suprime a competição e aparece a colaboração.

Apresentadora – Entre todos vamos conseguir? Como uma questão social.

HM – Claro, entre todos. Porque no momento em que eu suprimo a competição, deixo de estar centrado em ser melhor que o outro. Posso olhar o que o outro faz e aprender com ele ou com ela e o outro se volta a olhar o que eu estou fazendo porque não está competindo comigo também.

Então o que aparece? A possibilidade de fazer algo juntos. Aparece a colaboração. Em que espaço? Qualquer que seja, que corresponda a situação na qual nos encontramos . Suspende a competição, aparece a colaboração.

Apresentadora – E que contribuía muito com a felicidade. Faz um tempo estava escutando alguém refletir a propósito de um programa que passou na TV, uma ótima reportagem em que se perguntava se nós chilenos éramos felizes ou não em comparação com outros índices de outras nações e escutava aí, à propósito de que diminuímos a importância de viver em comunidade. E se analisava, por exemplo, as mensagens da publicidade ou mesmo dos bem sucedidos livros de auto ajuda que te dizem todos estes textos “A força é sua. O poder é seu. Você pode ser feliz. Você é responsável da sua própria felicidade” excluindo de tudo isso a comunidade. Versus por exemplo, o que acontecia na Costa Rica onde as pessoas se sentiam felizes porque, explicavam autoridades do governo, que tinham criado por exemplo hospitais públicos da melhor qualidade. Melhores inclusive que os privados. E é aí onde queriam ter acesso tanto os mais ricos como os mais pobres. E aí havia um encontro da fragilidade, das debilidades, fraquezas, das doenças para se reconhecer no outro e construir, se quiser, esta felicidade em comunidade. Vejo isso como um bom exemplo.

HM – Sem dúvida é um bom exemplo, porque o que está envolvido aí, no momento em que faço um hospital público, é que todas as pessoas são legítimas e igualmente dignas de atenção. Não apenas dignas de atenção mas dignas da melhor atenção. Então gera um espaço de mutuo respeito. E portanto um espaço de colaboração. E se isso se faz com seriedade, então se amplia a capacidade de fazer a terapia, de colaborar, de fazer coisas juntos, resolver as dificuldades através da presença ou conversação com outros.

Apresentadora – Estive revisando uma entrevista que deu a Cristián Warnken em “A Beleza do Pensar” já faz alguns anos, não consegui encontrar a data.

HM – Faz muitos anos.

Apresentadora – Já passaram alguns anos. Onde você falava das imagens, do quão preocupados estamos em construir algo diante dos demais, uma imagem. E pensava em hoje em dia e tentava unir, lincar, com os resultados, por exemplo da pesquisa, que é precisamente o que mede a pesquisa, uma imagem de determinado candidato, uma imagem de um determinado presidente. Porque hoje em dia a imagem domina tudo? Ou você não tem essa sensação?

HM – Sim, claro, eu tenho essa sensação, mas não apenas hoje.

Apresentadora – Sempre foi assim?

HM – Pense em algumas partes da Santiago antiga onde está a fachada, a fachada é uma imagem, Você vê uma fachada e olha pra trás e vê uma coisa que não corresponde a fachada. Porque o que faz a fachada? Projeta uma imagem. As imagens sempre são mentirosas. Porque não mostram o que há ou o que é. Quando alguém projeta uma imagem, no fundo está querendo que o outro veja algo que não é. Quando alguém se comporta sendo como é, não projeta uma imagem, mostra sua identidade, mostra seu pensar, mostra seu sentir. Assim que cada vez que buscamos imagens, queremos projetar uma imagem, no fundo queremos mentir. Não percebemos isso.

Apresentadora – Não é consciente.

HM – Não, porque confundimos a imagem com a identidade.

Apresentadora – Qual é a diferença?

HM – A diferença é que na identidade uma pessoa se mostra como é no sentido que diz o que pensa, atua, reflete de uma maneira, muda de opinião quando escuta algo que lhe parece interessante. E não está defendendo nenhuma idéia, mas está participando da criação. Ou quando apresenta uma idéia, não é que a defenda porque seja sua, mas faz as argumentações que a validam, etc.

Mas quando alguém apresenta uma imagem porque quer que o outro o veja de uma certa maneira “Bom, eu tenho que apresentar a imagem de que sou uma pessoa que tem confiança em si mesma”, porque se não apresenta essa imagem não vão te dar o trabalho, por exemplo. “Bom, mas eu sou tímido”, mas não pode demonstrar, tem que projetar uma imagem de solidez, de autonomia.

Apresentadora – E isso é insustentável por muito tempo porque estamos traindo nossa natureza, o que somos.

HM – Exatamente. (Então, se alguém está disposto efetivamente…) porque todos somos inteligentes. É verdade o que estou dizendo.

Apresentadora – Andemos neste ponto.

HM – Se você presta atenção ao seu viver cotidiano, quando se diz que um animal é inteligente? Ou que uma criança é inteligente? Que uma pessoa é inteligente? Quando vê que esse animal, essa criança, essa pessoa adulta se conduz de uma maneira plástica diante de um mundo que está mudando. Recolhe um animal na rua, o leva a sua casa, vem um amigo um ou dois dias depois e diz “Olha, recolhi esse gatinho e como é inteligente. Já conhece a casa inteira, sabe isto, tudo…” num mundo completamente diferente do qual se encontrava. O mesmo acontece com as crianças, com as pessoas, com os adultos. E essa capacidade dessa plasticidade comportamental frente a um mundo que muda, claro, é diferente nos diferentes tipos de organismos.

Mas nos seres humanos, como seres que existimos na linguagem, a plasticidade comportamental que se requer para existir efetivamente na linguagem é tão gigantesca que todos nós somos igualmente inteligentes. Eu não sou mais inteligente que ninguém. Um indivíduo é diferente do outro, temos gostos diferentes, preferências diferentes, mas todos somos fundamentalmente igualmente inteligentes.

Agora, nos orientamos de maneiras diferentes nos gostos e nas preferências, segundo os gostos e as preferências. Mas no momento em que aceito que o outro é tão inteligente quanto eu, estou disposto a escutá-lo.

Apresentadora – À propósito disso, nos perguntam no Twitter se são compatíveis e como são compatíveis a colaboração com a liderança. É uma boa pergunta.

HM – Uma pergunta muito boa. Eu acredito que como se entende liderança em geral não são compatíveis. Porque na história, a história da palavra liderança é (uma história de palavra…) de aceitar a liderança do outro. E no momento em que você aceita a liderança do outro, você não colabora, obedece, se submete. Então confundimos muito. É completamente diferente, por exemplo, da coordenação, da conversação com o outro que permite gerar uma idéia e se colocar de acordo, e no momento em que nos colocamos de acordo com o que fazer, esse é o acordo que guia o que fazer, não a liderança.

Apresentadora – Não a dominação.

HM – Não a obediência, efetivamente. E se você reparar bem vai perceber, cada vez que alguém obedece se sente mal.

Apresentadora – É importante finalmente, respeitar os erros? Este é um mundo que não respeita os erros. Condena-os.

HM – Absolutamente. Porque se não respeito os erros, não me dou conta deles ou os escondo. Ou minto. Mas o outro também tem que respeitar meus erros, ou seja, quando eu digo “Cometi um erro” estou dizendo uma coisa muito forte. Me dei conta que fiz algo que era inoportuno, mesmo que no momento que fiz pensava que não era assim. E isso deveria abrir a possibilidade de uma conversação para corrigir o erro, para compensá-lo. Bom, existem erros terríveis, sim, é claro que há erros terríveis que ninguém gostaria de ter cometido, mas o resultado é que quando fez o que fez não queria cometer um erro. Pensava que era válido.

Apresentadora – Humberto Maturana, muito obrigado por nos ter acompanhado estes minutos, foi um prazer tê-lo aqui na TV Cooperativa.

HM – Obrigada por me convidar e me convidando, na verdade convidou também a Matriztica e o que eu digo aqui, na verdade, é algo que pensamos e o que fazemos na escola Matriztica na investigação humana.

Apresentadora – Sabemos algo do que estão fazendo lá. Que mais deveríamos saber sobre isso, ou que mais devem saber nossa audiência sobre o trabalho que se está realizando em Matriztica?

HM – Bom, teriam que fazer um de nossos cursos. (rs)

Apresentadora – Mas são para empresas, para pessoas, para todos?

HM – Não, fazemos cursos que são para todo o público. Claro, por exemplo agora, final de janeiro vamos fazer um. Mas teriam que procurar no site matriztica.cl qual é o curso sobre a biologia cultural, esse é o tema central.

Apresentadora – Biologia cultural.

HM – Não biologia e cultura, mas biologia cultual. Os seres humanos somos desde nossas origens seres que somos simultaneamente biológico culturais.

Apresentadora – Interessante. Aí estão todas as informações, além de todas as publicações da imprensa e algumas colunas de opinião ou alguns pensamentos que aparecem refletidos nessa página da web que é matriztica.cl. Novamente muito obrigada, que tenha um grande 2013.

HM – Muito obrigado a você.

OBS: Uso (parêntesis) nos pedaços da fala que podem ser descartados principalmente por serem um início de raciocínio que não chega ao fim, a frase é interrompida.


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Paulo Freire e Humberto Maturana: diálogo (im) possível?

Neste artigo, temos como objetivo apresentar o resultado inicial de um percurso construído a partir das leituras e discussões realizadas pelas autoras a respeito dos pensadores Paulo Freire e Humberto Maturana. Como procedimento teórico-metodológico, recorremos ao levantamento e análise bibliográfica. Os dados foram descritos de modo suscinto, no que tange às origens biográficas dos referidos educadores, a diferenciação de origem de escolas filosóficas, além dos recortes de pensamentos que consideramos significativos. Nossa investigação concentrou-se no estudo de temas como história, humanização, linguagem, emoção, amorosidade, mudança, educação, diálogo, autonomia, conhecimento e política, presentes nas obras de Freire e Maturana. Buscamos, ao final, comparar as concepções e apresentar ensaios de aproximação e distanciamento entre os autores de modo a possibilitar reflexões e possíveis aprendizagens para aqueles que atuam como professores e pesquisadores na educação. Constatamos que os dois contribuem, portanto, para o surgimento de um outro olhar para a educação, no qual o respeito para consigo mesmo e o outro torna-se realidade por meio do diálogo.

https://www.metodista.br/revistas/revistas-unimep/index.php/comunicacao/article/viewFile/2123/1498


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Paulo Freire e Humberto Maturana: consonâncias e dissonâncias

Fonte: http://conhecereconhecimento.blogspot.com.br/2010/05/dialetica-dialogo-e-conversa-parte-ii.html

Embora Paulo Freire e Humberto Maturana tenham dialogado com uma lista enorme de autores ao longo de suas vidas, o nome de cada um deles não consta das suas respectivas listas. Isto pode ser explicado pelas diferentes áreas do conhecimento nas quais eles se dedicaram - educação e biologia, respectivamente. À parte isto, identificamos uma forte confluência, de natureza epistemológica, nos resultados que ambos chegaram e é precisamente essa confluência, mais do que os contrastes, que gostaríamos de ressaltar neste ensaio.

Imbuídos em promover um cum versare com Freire e Maturana, optamos por agrupar as consonâncias e as dissonâncias entre esses autores em três grandes categorias: a dialética, o diálogo e a conversa. A partir dessas categorias, abordaremos a questão do conhecimento, a autonomia do sujeito, a relação com o outro e o compromisso social. Embora estas questões estejam imbricadas entre si, faremos algumas distinções entre elas para nos tornarmos didáticos em nossa análise.

4.1 - A dialética

A palavra dialética pode assumir três sentidos principais, a saber: (a) arte do diálogo para atingir a verdade; (b) a concepção de que o mundo está em contínuo movimento por um processo que envolve a contradição e a luta de contrários (tese, antítese e síntese) (c) método de análise que procura evidenciar as contradições da realidade social e resolvê-las no curso do desenvolvimento histórico (Chauí, 2003).

Tendo em vista que o diálogo será tratado no próximo tópico, como uma importante categoria da epistemologia freireana, privilegiaremos nesse momento somente os sentidos advindos das doutrinas filosóficas de Hegel (sentido b) e de Marx (sentido c), nomes que tiveram grande influência sobre o pensamento de Freire.

Para Hegel, o processo racional é um processo dialético no qual a contradição não é considerada como um paradoxo lógico, mas como o verdadeiro motor do pensamento. Esse último é dinâmico porque procede através da superação das contradições, ou seja: partindo de uma tese (afirmação) e de sua antítese (negação), chega-se a uma síntese (a superação da contradição). Contudo, a superação alcançada na síntese é provisória na medida em que, ela própria, se transforma numa nova tese que já traz em si uma antítese, ou seja, uma contradição – motor do movimento dialético: a luta de contrários (Cury, 1989; Chauí, 2003).

Hegel utiliza então a dialética para reconciliação do homem com o mundo e para explicar o aparecimento do Estado. Assim, no primeiro caso, o homem (Espírito) nega-se como mundo, através da consciência, para afirmar-se como cultura. Ou seja, o Homem é mundo (tese) e o Homem é não-mundo (antítese), porque é Cultura (síntese). A reconciliação ocorre quando o Espírito reconhece-se como sujeito da produção de si mesmo: o Homem é mundo e cultura, porque é Espírito (Chauí, 2003).

Para Hegel, apoiado em sua filosofia do direito, o Estado surge como o grande conciliador. Ou seja, somente o Estado é capaz de exprimir a vontade geral expressa a partir dos particularismos e das singularidades das instituições da sociedade civil. O Estado pode garantir a ordem, a paz, a liberdade e a perfeição do Espírito humano porque ele pode, através do direito, conciliar os conflitos advindos dos particularismos (Chauí, 2003).

Para Marx, Hegel trata a dialética idealmente, no plano do Espírito, enquanto o mundo dos homens exige sua materialização. A dialética marxista considera a matéria como sendo a única realidade, negando qualquer forma de transcendência - espírito, alma, deus, etc. Maior do que qualquer essência é a existência, ou seja, a construção da história. O Homem constrói a história e é produto desta mesma construção. A base econômica (infra-estrutura econômica) determina, em última instância, a superestrutura jurídica, política e ideológica e, portanto, o próprio homem. Esse homem, determinado a partir das relações sociais em que se encontra, produz o seu próprio ambiente. No entanto, esta produção da existência não é de livre escolha, mas historicamente determinada pelas condições sócio-econômicas. O modo de produção constitui a base do regime social e determina o seu caráter, a forma de organização da sociedade e a própria consciência humana. Na busca de um caminho epistemológico que pudesse interpretar a realidade social e até mesmo transformá-la, Marx conferiu à dialética um caráter materialista e histórico. Se o mundo é dialético - se movimenta e é contraditório - é preciso um Método que possa interpretá-lo, que consiga servir de instrumento para a sua compreensão. Este instrumento lógico é o Método dialético, afirmou Marx. Haveria, segundo a concepção marxista, uma permanente dialética das forças entre opressores e oprimidos e esta dialética, materializada na permanente luta de classes, é o motor da História. Por afirmar que o processo histórico é movido por contradições sociais, o materialismo histórico é dialético (Marx, 1844; Cury, 1989; Chauí, 2003).

4.1.1 - Paulo Freire frente à dialética

As dialéticas de Hegel e de Marx influenciaram muito o pensamento de Paulo Freire, especialmente em sua práxis educativa. Assim, para esse último, a educação é entendida como um processo que deve, necessariamente, levar o indivíduo a reconhecer não só a sua condição de indivíduo no mundo, mas, também, a sua condição de agente que cria o mundo. Chega-se a esse duplo reconhecimento através do movimento das contradições internas entre a razão e o mundo material e das condições materiais do mundo em que a razão existe.

Segundo essa concepção freireana, o ato de leitura não pode estar dissociado da leitura do mundo e não se trata apenas de ler e conhecer as coisas do mundo, mas, efetivamente, o de transformá-lo – o que inscreve a educação como prática da liberdade. Freire compreendeu, no entanto, os limites da educação para operar o processo de mudança em condições objetivas desfavoráveis, razão pela qual direcionou a sua atenção para dois importantes focos: o conflito e a esperança (Freire, 1969, 1970, 1992).

“Não é possível compreender a vida social fora da existência dos antagonismos, fora da existência dos conflitos”. Se ganha consciência nos conflitos, pois, com eles, o homem se transforma, se educa e se reeduca (Blois, 2005).

É possível assumir um sentido amplo para o termo conflito e incorporar a ele a noção de problema, de situação problemática ou desafiadora. Dito isto, pode-se afirmar que, para Paulo Freire, “não há vida sem conflitos” e, no âmbito humano, são os conflitos e os problemas que, ao desafiarem o homem em sua relação com o mundo, desencadeiam nele o que nós conotamos como consciência ou estado de consciência. É importante ressaltar que essa consciência não se dá de forma automática sempre que o indivíduo estiver diante de um conflito. No entanto, pode-se facilitar o desencadeamento da mesma através da problematização. Isso explicaria a insistência de Freire para a importância dos educadores-educandos se predisporem, junto aos seus educandos-educadores, a uma problematização sistemática e permanente, pois, como dizia ele: “a problematização é a tal ponto dialética que seria impossível alguém estabelecê-la sem comprometer-se com o seu processo” (Freire, 2002b, p. 82).

É importante ressaltar que não foram as leituras de Marx que levaram Freire a se aproximar dos oprimidos e a se comprometer contra as injustiças, mas, efetivamente o contrário. Assim ele nos explica: “as pessoas nunca me disseram: Paulo, por favor, por que você não lê Marx? Não. As pessoas nunca me disseram isso, mas a realidade me dizia isso. [...] Daí eu comecei a ler Marx e a ler sobre Marx e quanto mais o fazia mais me convencia de que nós realmente teríamos que mudar as estruturas da realidade, que deveríamos comprometer-nos totalmente com um processo global de transformação” (Freire & Horton, 2003, p. 227; Blois, 2005).

A trinômia consciência-mundo-transformação não se completa somente com a consciência do mundo. Pois, da mesma forma “como o ciclo gnosiológico não termina na etapa da aquisição do conhecimento existente, pois que se prolonga até a fase da criação do novo conhecimento, a conscientização não pode parar na etapa do desvelamento da realidade. A sua autenticidade se dá quando a prática do desvelamento da realidade constitui uma unidade dinâmica e dialética com a prática da transformação da realidade” (Freire, 1992, p.103). A conscientização sem transformação é um puro palavreado, pois as relações inerentes ao trinômio consciência-mundo-transformação não se completam, ou seja, se o que se diz que muda é a consciência torna-se explicito, desta forma, que o mundo, ele mesmo, é intocado (Freire, 1992).

A relação entre conflito e esperança pode ser intermediada pela consciência do sujeito. Ou seja, o conflito pode desencadear a consciência no homem e este, através da consciência, sabendo-se biológica e historicamente inacabado, busca, através de sua vocação ontológica, o ser mais – fonte e alicerce da esperança. É por isso que o contrário da esperança - a desesperança - negando o ser mais, imobiliza e faz sucumbir o sujeito. Ou seja, quem da desesperança padece cai, geralmente, no fatalismo onde não é possível mobilizar as forças indispensáveis ao embate de recriação do mundo (Freire, 1992).

Paulo Freire nos alerta, no entanto, que a esperança sozinha não transforma o mundo. Atuar movido por tal ingenuidade pode levar também ao pessimismo e ao fatalismo. Por outro lado, não se pode prescindir da esperança na luta para melhorar o mundo, haja vista que esta luta de libertação tem sempre um suporte ético (Freire, 1992).

Um outro alerta de Paulo Freire aponta que a esperança, enquanto necessidade ontológica, precisa ancorar-se na prática para tornar-se um inédito viável e, quiçá, uma realidade histórica. É por isso que “não há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã. Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas, sem o embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e se torna desesperança que, às vezes, se alonga em trágico desespero” (Freire, 1992, p. 11).

Se aceitarmos que a consciência do inacabamento produz o ser de esperança, devemos aceitar, por necessidade lógica, que ao ser de esperança está negado qualquer determinismo. Expandiremos esse argumento para demonstrar a autonomia do pensamento de Paulo Freire frente ao marxismo, pelo menos para aquele de matiz mecanicista.
Como ponto de partida do nosso argumento, citaremos a contradição entre determinismo e o que Paulo Freire concebe como sendo características ontológicas do humano: esperança e ética. A contradição pode ser assim explicitada: se o homem é produto de determinação social (cultural ou de classe), ele é irresponsável pelo que faz em seu mover-se no mundo. Aceitar essa irresponsabilidade humana, determinada heteronomicamente, implica em não mais poder falar em esperança, ética, nem tampouco em liberdade e autonomia.

Assim, apoiado pela sua própria práxis educativa, Freire nunca aceitou qualquer forma de determinismo (genético ou cultural), nem a conseqüência lógica do mesmo – a irresponsabilidade humana. A posição do autor pode ser assim ilustrada: “nos momentos mais desafiadores da trajetória humana, irrompe sempre o inédito viável como uma luz no fim do túnel, provocando e convocando os humanos a não se sucumbirem à tentação de quaisquer determinismos”. E continua, “esse negócio de determinar, de decretar o desaparecimento do sistema capitalista porque a fase posterior é o socialismo, é imobilismo de esquerda, é fatalismo libertador, é um fatalismo ao revés” (Blois, 2005). Freire reitera isso em vários de seus textos e de várias maneiras mostrando sempre que “a história é tempo de possibilidade e não de determinismo e que o futuro é problemático, mas não inexorável” (Freire, 1992; Blois, 2005).

Um outro ponto de divergência de Paulo Freire com o mecanicismo de certas ortodoxias marxistas é a sua crença em Deus. O autor advoga que “num processo de mudança radical de qualquer sociedade, há de se dar o direito às pessoas de acreditarem ou não em Deus. Ou em nada. Ou no que quer que seja” (Blois, 2005, p.50). Isso não dá o direito, no entanto, “às religiões que tentam atrapalhar a reivindicação dos direitos legítimos das massas populares em nome de Deus, pedindo paciência àqueles que não comem e prometendo para estes o Reino dos Céus” (Blois, 2005, p.50).

4.1.2 – Humberto Maturana frente à dialética

Diferentemente de Freire, Humberto Maturana não faz referência à dialética em seus textos nem utilizou a mesma como ferramenta para construir o arcabouço teórico da Biologia do Conhecer. Isso não impede que possamos, no entanto, identificar oposições dialéticas no corpo de conhecimentos produzidos pelo autor.

Assim, para exemplificar o que foi dito e tornar mais claro o nosso argumento, reinterpretaremos, à luz da dialética, um dos problemas abordados pela Biologia do Conhecer - a autonomia do vivo e seu acoplamento estrutural com o mundo. Para melhor compreensão dos nossos leitores, particularmente daqueles que não estão muito afeitos com a obra de Maturana, resumiremos a questão da autonomia do vivo e de seu acoplamento estrutural com o mundo, conforme estas questões nos são apresentadas pela Biologia do Conhecer (Maturana 1997a, 1997b; Maturana & Varela, 1995).

Acreditamos que um dos momentos cruciais da ruptura de Maturana com o pensamento biológico tradicional se deu quando o autor aceitou a pergunta formulada por um de seus estudantes, qual seja: o que é um ser vivo?

Cônscio que toda pergunta que pede uma explicação exige como resposta um mecanismo gerativo, Maturana, ao invés de propor as tradicionais características dos seres vivos, propôs, depois de muita reflexão, um mecanismo gerativo para a fenomenologia do vivo e do viver. Segundo esse caminho explicativo, o vivo é uma unidade submetida a uma lógica circular de produção dos seus componentes de produção. Dito de outra maneira, o vivo é uma rede molecular de produção de moléculas constitutivas que regenera a si mesma continuamente e, ao mesmo tempo, especifica, através de uma fronteira física, o domínio onde essa rede se realiza – sua topologia no espaço (Maturana & Varela, 1995). A especificidade desse auto-engendramento é garantida por um processo interno de produção não seqüencial e não hierárquico de tal forma que o que se produz é o próprio produtor, numa relação inseparável entre ser e fazer. A esse processo de auto-criação o autor denominou de autopoiesis (auto=próprio; poieis=criação). Ao descrever esse mecanismo gerativo comum a todos os seres vivos, o autor apontou para a existência de uma organização mínima que qualquer estrutura viva deve respeitar. Ou seja, uma condição sine qua non para a realização do vivo é a manutenção de sua organização autopoiética, embora esta mesma organização possa ser realizada por diferentes estruturas, por diferentes estratégias moleculares e por diferentes biomoléculas (Maturana, 1997a, 1997b, 2001; Maturana & Varela, 1995; Andrade & Silva, 2003).

Há um ponto fundamental, apontado pela Biologia do Conhecer, que deve ser aqui ressaltado, qual seja, para que a vida se realize, duas condições interdependentes devem ser satisfeitas: (a) ocorrência de uma dinâmica autopoiética em uma unidade e (b) o acoplamento estrutural desta unidade ao mundo. Assim, os organismos que perdem a dinâmica autopoiética ou o acoplamento estrutural com o seu mundo, se desintegram e morrem. Este processo de acoplamento estrutural do vivo com o mundo, que já perdura, pelo menos, 3,8 oito bilhões de anos (Andrade & Silva, 2003) foi denominado por Maturana de “Co-deriva Natural” (Maturana & MPodozis, 1992).
Acreditamos que a co-deriva natural entre o vivo e o mundo possa ser reinterpretada à luz da dialética como um par de opostos que se dialetizam. Destarte, o vivo é mundo (tese) e o vivo é não-mundo (antítese). Ou seja, o vivo é mundo, na medida em que os elementos que o constituem são partes integrantes do mundo e, além disso, sua organização sistêmica não pode se contrapor, radical e bruscamente, às mudanças do mundo, sob pena de destruição. Por outro lado, o vivo é não-mundo, na medida em que ele é um sistema autônomo e, portanto, não pode se homogeneizar, brusca e radicalmente, com o mundo, sob pena de perda de sua organização autopoiética e, por conseguinte, sua destruição.

O acoplamento estrutural do vivo com o mundo, traduzido pela capacidade do vivo em se manter próximo e congruente com o meio (o mesmo) e, ao mesmo tempo, afastado e não homogêneo com o meio (o outro) é, a nosso ver, mantido pelo movimento dialético. Unidades autopoiéticas que negam o mesmo do seu mundo, tornando-se incongruentes a ele, podem, no limite, serem destruídas. Do mesmo modo, os sistemas vivos que, perdendo a dinâmica autopoiética, se homogeneízam totalmente com o meio, também são destruídos. Somente as unidades que são capazes de manter a co-deriva natural com o seu meio (Maturana & MPodozis, 1992; Maturana & Varela, 1995) ou, do nosso ponto de vista, sustentar a dialética do mesmo e do outro (Andrade et al. 2002, Andrade & Silva, 2003), permanecem autopoiéticas e, portanto, vivas.

Se em Hegel a cultura surge como superação da tensão dialética homem-mundo, com o presente superando o passado, pelo o que na cultura se fez, e o futuro superando o presente, pelo que na cultura se faz, advogamos, como um primeiro recorte, que a cognição é a síntese da superação da tensão dialética entre o fluxo do viver individual - qualquer que seja ele - e o mundo. Se o recorte feito pelo observador apontar o conjunto das trajetórias de vidas das espécies na seta do tempo, e não o fluxo do viver individual, a evolução assume esse lugar de síntese.


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